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Goya e Grassmann: o jogo entre o contexto
e a transcendência

De Goya, el genio que supo traducir en su obra las luces y las sombras del alma humana, en un mundo impulsado por la Ilustración y por el espíritu revolucionario que prendió en Francia y recorrió Europa y América, han bebido generaciones de creadores. En Brasil, la gran figura de Grassmann, puede representar al autor atemporal y universal que se inspira en los Caprichos de Goya para mostrar lo fantástico que surge de la interpretación de una realidad humana concreta.
Angela Brandão. / As realizações artísticas no Brasil têm oscilado, desde o modernismo da década de vinte, entre a busca de uma identidade própria e a absorção de correntes internacionais. Muitas vezes, paradoxalmente, a arte que buscava uma inspiração local deu em puro exotismo ou em falso nacionalismo; e a arte que bebia das fontes estrangeiras acabou proporcionando caminhos interpretativos e criativos muito mais autênticos.
O desenhista e gravador Marcelo Grassmann, nascido em São Simão, São Paulo, em 1925, não fez de sua arte uma manifestação nacionalista. Ao contrário disso, criou uma multidão de personajesn fantásticos: cavaleiros vestidos de estranhas armaduras, monstros e donzelas, seres híbridos, anjos e dem“nios, que compõem cenas em preto e branco, envolvidos numa atmosfera onírica.
Walter Zanini considerou os trabalhos de Grasssmann como "antídotos do cotidiano", produzidos num "laboratório de pequenos monstros". Os componentes dessa alquimia seriam heranças de fontes medievais: iluminuras e gravuras. Porisso a obra de Grassmannn não guarda relações com o contexto brasileiro. Daí seu descompromisso com a poética contemporânea e estas imagens sem lugar e sem tempo.
Comparando sua obra com uma "flor perdida no tempo e no espaço do gótico fantástico", Teixeira Leite considerou este artista como um "faiseur de diables". Para este crítico, mais do que pela inspiração medieval, o trabalho de Grassmann está marcado pelo expressionismo alemão e por toda a tradição dos mestres do fantástico, de Bosch a Kubin, daqueles que transcenden a realidade comum e alcançam o visionarismo.
Grassmann produz uma arte que deixa de ser brasileira e contemporânea para ser atemporal e universal. No entanto, se a aproximamos dos Caprichos de Goya, de 1799, vemos que aqui o fantástico surge da interpretação de uma realidade humana concreta: a Espanha do século XVIII. A aproximação não é insólita. Foi sugerida pelo crítico Marc Berkowitz que percebeu a influência de Goya sobre outros gravadores brasileiros como Goeldi ou Babinski.
As oitenta fascinantes gravuras que compoem os Caprichos de Goya têm sido interpretadas como metáforas críticas dos enganos e vícios humanos: a veleidade de sentimentos, os métodos educativos opressivos, os casamentos por conveniência, a prostituição, os preconceitos e as superstições.
No entanto, para realizar essa denúncia dos vícios humanos na sociedade espanola de seu tempo, os Caprichos de Goya transcendem a realidade: "este vícios só existem na imaginação humana". O artista passa a inventar cenas povoadas por anões e bruxas repugnantes, por monstros antropomórficos. Ao usar códigos irreais, Goya alcança o universal. Esta série de gravuras que nasce da crítica ao conexto social e cutural do XVIII espanhol, transforma-se em imagens simbólicas que superam o tempo e universalizam-se -e é essa a universalidade que se comunica com a obra do gravador brasileiro do século XX.
Vemos em Goya e em Grassmann os mesmos seres alados ameaçadores, a vertigem dos pesadelos, o temor místico, os olhares assustadores, a deformidade das mãos e dos rostos, o jogo entre o Bem e o Mal, entre e escuridão e a luz, entre o preto e o branco. O caráter histórico e social dos Caprichos não lhe rouba o poder de transcendência. A obra de Grassmann por colocar-se além da realidade e por não ter raízes brasileiras não comete nenhum crime. Há obras de arte que são como árvores: têm raízes. Outras são obras de asas, são como pássaros que migram indiferentes à terra.


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